O caos urbano: poluição, congestionamentos, saúde agredida e alterações no clima do planeta, travestido de "status" e "qualidade de vida". |
Em 200, Os 6,0 bilhões de habitantes do planeta dispõem, hoje, de 800 milhões de veículos motorizados e, a perspectiva para 2030, é de 1 bilhão de automóveis. Estes números trazem grandes preocupações para os habitantes das grandes cidades, de longe os mais afetados pelos efeitos da poluição do ar, da ocupação pela malha viária de cada vez mais espaço habitável, o que resulta em altos e cada vez mais insuportáveis níveis de ruído e congestionamentos.

Os efeitos do uso maciço de automóveis vão além das cidades. Em termos globais, a principal conseqüência gerada pelos poluentes automotivos é o aquecimento da atmosfera. O IPCC, órgão científico da ONU, tem advertido que, se as emissões de gases estufa continuarem no ritmo atual, a temperatura média global do planeta estará, antes do final do próximo século, 4oC acima da encontrada no período pré-industrial, o que trará fortes mudanças climáticas - intensificando fenômenos já encontrados em algumas regiões, como secas ou fortes chuvas, furacões, maremotos - e elevará o nível do mar, pela expansão térmica da água dos oceanos e pelo degelo parcial das calotas polares, o que é preocupante para países com grandes áreas de altitude próxima ao nível do mar.
Dentro das cidades, em todo o mundo, pelo menos 50% - e em muitos casos muito mais - da poluição do ar é de origem veicular. Cada automóvel emite um coquetel de mais de 1.000 poluentes diferentes, afetando as pessoas e o meio ambiente nas áreas urbanas. O conjunto dos veículos constitui-se no maior emissor de dióxido de carbono, compostos orgânicos voláteis, óxidos de nitrogênio, monóxido de carbono, partículas inaláveis e clorofluorcarbonos.
Estudos epidemiológicos têm apontado três repercussões principais associadas à poluição ambiental:
aumento da mortalidade geral, da incidência de doenças cárdio-vasculares e de doenças respiratórias e aumentos da morbidade e da mortalidade correlacionados com vários poluentes de origem automotiva, principalmente partículas inaláveis, óxidos de nitrogênio e o ozônio.
Além dos desastrosos impactos à saúde, a invasão maciça das cidades pelos carros tem fortes impactos na qualidade de vida das populações. Los Angeles é, provavelmente, o melhor exemplo de cidade totalmente dominada pelos carros, com 55% de sua superfície ocupada por pistas de alta velocidade e inúmeros estacionamentos, onde os não motoristas são socialmente marginalizados e os motoristas gastam em média 7 anos de suas vidas presos em congestionamentos.
Embora a situação possa ser considerada relativamente melhor nas cidades da Europa ocidental, no antigo bloco comunista e no terceiro mundo não há razões para alívio. Todos estes países dirigem-se para o caos do trânsito e da qualidade do ar.
São Paulo: situação crítica e insuportável
A situação ambiental de São Paulo em termos de qualidade do ar, em razão da frota de veículos, é insuportavelmente crítica e tende irreversivelmente, a agravar-se nos próximos anos.
A frota de São Paulo já se aproxima de 6 milhões de veículos e tem crescido à taxa de 6% ao ano: são mais de 300.000 novos veículos por ano, quase 1.500 por dia útil. O efeito deste crescimento tem implicações enormes sobre a poluição pois, além do aumento do consumo de combustível - e das emissões de poluentes - trazido por cada novo veículo, os congestionamentos são incrementados, o que aumenta as emissões de todos os outros. Mesmo com todas as obras viárias realizadas na cidade, a velocidade média nos principais corredores de trânsito diminuiu de 28 km/h em 1984 para 20 km/h em 1994 e só tem decrescido de lá para cá.
A região metropolitana de São Paulo é castigada pela emissão anual de 1,9 milhões de toneladas de monóxido de carbono, 430 mil de hidrocarbonetos, 450 mil de óxidos de nitrogênio, 130 mil de óxidos de enxofre e 95 de material particulado, entre outros poluentes. Os principais responsáveis são os veículos de transporte urbano: os automóveis emitem 67% do monóxido de carbono e 73 % dos hidrocarbonetos, enquanto os caminhões e ônibus diesel são responsáveis por 82 % dos óxidos de nitrogênio, 60 % dos óxidos de enxofre, e 31 % do material particulado.
Devido a estas emissões, a atmosfera encontra-se saturada, com episódios críticos de poluição do ar durante todo o ano. Em 1994, 10% dos dias apresentaram qualidade do ar entre inadequada e má (concentrações acima de 150 mg/m3) para as partículas inaláveis (PI), e 26 % dos dias inadequada para os NOx. Tais fatos são extremamente graves; a Universidade de São Paulo constatou incrementos de 13% na mortalidade de idosos e de 14% no número de internações de crianças menores de 13 anos devido a problemas respiratórios, com o aumento de 100 mg/m3 na concentração atmosférica de PI; foi encontrada, também, forte associação entre a mortalidade de crianças menores de 5 anos e a concentração atmosférica de NOx; estima-se que morram em São Paulo, por ano, cerca de 300 crianças com problemas correlacionados a este poluente, sendo que, nas semanas em que aumenta a concentração de NOx na atmosfera, podem morrer até 10 crianças. Outro dado importante: 2,1 % dos infartos do miocárdio em São Paulo são devidos à poluição atmosférica. Os efeitos da poluição na saúde são, ainda, mais perversos para a população de baixa renda que, por apresentar freqüentemente quadro de desnutrição, sofre quatro vezes mais os efeitos danosos da poluição do ar.
Resultado deste processo: a poluição do ar se torna cada vez mais crítica. O Greenpeace constatou que todas as avenidas da cidade têm concentrações elevadas de partículas inaláveis emitidas por motores diesel de ônibus e caminhões, que se assemelham às encontradas em São Paulo. Por seu lado, a Feema encontrou níveis de concentração de material particulado total duas vezes acima dos conservadores padrões de aceitabilidade da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A cidade de São Paulo manifesta, portanto, todos os sintomas das grandes metrópoles mundiais enfermas de trânsito de automóveis, agravados pela condição de cidades carentes de infra-estrutura de transporte público urbano.
Uso do automóvel é subsidiado pela sociedade

Os custos sociais dos congestionamentos compreendem o consumo adicional de combustíveis, a perda de horas de trabalho, lazer e convívio familiar, os custos de expansão e manutenção da malha viária, os custos impingidos aos sistemas de saúde no atendimento a acidentados e vítimas de doenças advindas da poluição do ar e os custos gerados pelos ataques das substâncias poluentes a materiais e ao patrimônio arquitetônico.
Para São Paulo estima-se os custos dos congestionamentos, que já chegam a atingir 200 quilômetros de extensão, em cerca de 6 bilhões de dólares anuais. Os gastos com a expansão e manutenção da malha viária, de acordo com o orçamento municipal, giram em torno de 1 bilhão de dólares e os custos impingidos ao sistema de saúde, ainda não quantificados para esta cidade, devem ficar entre 220 milhões e 4 bilhões de dólares, faixa calculada a partir de comparações internacionais. Sem considerar os danos ao patrimônio arquitetônico, a soma dos custos sociais do uso do automóvel, para São Paulo, varia entre 7 e 11 bilhões de dólares, algo próximo de 7% do PIB da região. Mundo afora, estimativas indicam que o subsídio ao automóvel varia, como percentagem do PIB, de 2,5 % em alguns países em desenvolvimento, a 4,6 % na Europa e 12 % nos EUA.
Portanto, a sociedade gasta por ano em São Paulo - e não deve ser muito diferente no Rio de Janeiro - de 1,5 a 2,2 mil de dólares por veículo, gastos estes nem de longe cobertos pelas taxas pagas pelos usuários, como o IPVA e outros impostos embutidos nos preços dos combustíveis. Em termos per capta, cada cidadão de São Paulo contribui, em média e através de impostos diretos e indiretos, com algo entre 450 e 730 dólares por ano, para que a parcela da população detentora e usuária de automóveis possa dispor deste modo de transporte.
fonte: http://www.nacidadesemmeucarro.org.br